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Ulhôa Cintra, médico e formulador de políticas públicas


Indicado em 1961 pelo governador Carvalho Pinto para estruturar a FAPESP, Ulhôa Cintra foi seu primeiro presidente e esteve à frente do Conselho Superior até 1973
 

Antonio Barros de Ulhôa Cintra (1907-1998) foi o primeiro presidente da FAPESP. Médico, ele era reitor da Universidade de São Paulo (USP) quando, em 1961, foi designado pelo então governador de São Paulo, Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, para tomar as providências necessárias para o funcionamento da Fundação, cuja instalação tinha sido autorizada pela Lei Orgânica nº 5.918, de18 de outubro de 1960. Permaneceu no cargo até 1973.

As credenciais que o conduziram à reitoria da USP também o qualificaram para a missão que lhe foi conferida pelo governador: médico e pesquisador, professor e formador de várias gerações de discípulos, era um formulador de política científica.

Ulhôa Cintra nasceu em São Paulo em 13 de setembro de 1907. Em 1930 diplomou-se pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo – que, em 1934, se tornaria a Faculdade de Medicina da USP.

Iniciou suas atividades no antigo Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina e no serviço de Pediatria da Santa Casa de Misericórdia. Em 1933, foi designado para a cadeira de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP, sendo também responsável pelo laboratório de Clínica. Assumiu, em 1936, a cadeira de Clínica Médica, obtendo, em 1940, o primeiro lugar em concurso para livre-docência, com a tese Contribuições para o Estudo da Exploração Funcional do Fígado.

“Foi um investigador clínico da mais elevada qualificação” e responsável por introduzir “nova metodologia de investigação, com a aplicação das ciências básicas aos problemas clínicos”, afirmou o médico Emílio Mattar, em artigo publicado na Revista do Hospital das Clínicas, por ocasião das comemorações dos 70 anos de Ulhôa Cintra.

Seus trabalhos o levaram aos Estados Unidos, em 1941, com bolsa de estudos da Fundação Rockefeller. No Massachusetts General Hospital, da Universidade Harvard, trabalhou com Fuller Albright, considerado um dos mais importantes investigadores clínicos. Naquele país, estudou ainda no Pratt Diagnostic Hospital, em Boston. Em 1943, já no Brasil, foi nomeado médico-chefe do Serviço de Moléstias da Nutrição e Dietética do Hospital das Clínicas, que ele organizou e chefiou até 1950. Ali, aplicou métodos de pesquisa bioquímica ao estudo de anormalidades metabólicas e orientou a formação de clínicos, químicos e analistas especializados em problemas de metabolismo, nutrição e endocrinologia, sendo um pioneiro nessa disciplina no Brasil.

Do Serviço de Moléstias da Nutrição e Dietética saiu a maior parte dos pioneiros que deram origem ao Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, fundada em 1952. Entre eles estava Hélio Lourenço de Oliveira, professor catedrático de Clínica da nova faculdade, onde estabeleceu um núcleo bem-sucedido de pesquisa e ensino de medicina. Oliveira foi vice-reitor da USP e assumiu a reitoria, sendo caçado pelo regime militar, em 1969, por sua defesa intransigente da autonomia universitária.  

Em 1948, com uma segunda bolsa, Ulhôa Cintra estagiou em diversos hospitais dos Estados Unidos e do Canadá. No ano seguinte, assumiu a cátedra de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, com a tese Doenças Ósseas Metabólicas. Até 1982, havia publicado 168 trabalhos de pesquisa clínica.

Ulhôa Cintra assumiu a reitoria da USP em 1960 e sua gestão foi decisiva na implantação do campus da universidade e na elaboração das leis de criação da Universidade Estadual de Campinas e da Faculdade de Ciências Médicas de Botucatu. Ainda como Reitor da USP, proferiu a Aula Inaugural da Faculdade de Medicina da Unicamp, em 20 de maio de 1963.

Designado pelo governador para implantar a FAPESP, ainda no segundo ano de seu mandato na reitoria, o Ulhôa Cintra fez de seu gabinete, no 7º andar da rua Helvétia nº 55, nos Campos Elíseos, centro de São Paulo, um ponto de encontro de pesquisadores empenhados em arquitetar a estrutura e o funcionamento da futura Fundação, desde a formação do seu Conselho Superior até a elaboração de seus Estatutos e Regimento Interno, além da política de apoio à pesquisa e à formação de recursos humanos.

A primeira reunião do Conselho Superior da FAPESP foi realizada no dia 15 de maio de 1961, quando foram elaboradas listas tríplices a serem enviadas ao governador Carvalho Pinto para a escolha do presidente e vice-presidente da Fundação. Nos meses seguintes, o Conselho Superior reuniu-se para elaborar outras três listas tríplices a serem submetidas ao governador para a escolha do diretor científico, do diretor administrativo e do diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA), instância que, junto com o Conselho Superior, compõe a governança da FAPESP.

Ulhôa Cintra foi escolhido presidente do Conselho Superior, Warwick Kerr, diretor científico, Raphael Ribeiro da Silva, diretor administrativo, e Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, diretor-presidente do CTA, que se reuniu, pela primeira vez, em 1º de junho, uma semana depois da promulgação dos estatutos da FAPESP, em 23 de maio de 1962.

Em depoimento a Marilda Nagamini, em dezembro de 1987, publicado no livro FAPESP 40 anos – Abrindo Fronteiras, organizado por Amélia Império Hamburguer, Ulhôa Cintra falou sobre o significado da criação da FAPESP para a comunidade científica: “Era simplesmente uma abertura enorme para quem trabalhava em ciência, de poder ter amparo para continuar a trabalhar. (…) A FAPESP foi criada para amparar a ciência que se quisesse realizar. A ciência é que ia bater à porta da Fundação para dizer qual o projeto que tinha”.

Ulhôa Cintra foi Secretário de Educação e Cultura do governo Abreu Sodré (1967 – 1970), tendo contribuído para a expansão do ensino superior no interior do Estado, por meio da criação de institutos isolados, e para criação da Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo.

Aposentado, em 1978, continuou a frequentar o Hospital das Clínicas e sua clínica particular. Faleceu em janeiro de 1999.

Fontes:

HAMBURGER, Amélia Império (Org.) FAPESP 40 anos: abrindo fronteiras. São Paulo: EDUSP, 2004. 549 p.

MOTOYAMA, Shozo; HAMBURGER, Amélia Império; QUEIROZ, Francisco Assis de; TAIRA, Lincoln; NAGAMINI, Marilda; CHASSOT, Walkiria Costa Fucilli. FAPESP: uma história de política científica e tecnológica. São Paulo: FAPESP, 1999. 296 p.

Homenagem a Ulhôa Cintra, revista Pesquisa FAPESP, edição 42, de maio de 1999.