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William Saad Hossne, o "pai da bioética" no Brasil


William Saad Hossne assumiu a diretoria científica da FAPESP em dezembro de 1964, com um slogan: “a FAPESP é a casa do pesquisador”. Assim, quando um grupo de militares o visitou na FAPESP, querendo que ele apontasse “quem era comunista”, a resposta foi pronta: “Disse que isso não entrava em cogitação. Pediram os nomes dos assessores. Eu respondi que eram mantidos em sigilo. Um general insistiu e eu disse para ele pedir ao governador, porque meu pedido de demissão iria naquele mesmo dia”, contou Hossne em entrevista à revista Pesquisa FAPESP, em agosto de 2013.

No cargo até 1967, Hossne precisou diversas vezes esquivar-se de investidas de cunho ideológico. “Foi preciso deixar muito claro, de uma maneira muito categórica, que a Fundação de Amparo à Pesquisa não era nem de esquerda nem de direita, mas que era uma fundação de amparo à pesquisa”, afirmou em entrevista publicada no livro FAPESP 40 anos: abrindo fronteiras, organizado por Amélia Império Hamburguer.

Médico, cirurgião e conhecido como “pai da bioética” no país, Hossne era tutor dos recém-criados estatutos da FAPESP. No final dos anos 1950, “viu” nas mãos de Paulo Vanzolini, membro do primeiro Conselho Superior, o esboço do anteprojeto. “A partir daí meu contato foi mais intenso”, afirmou a Hamburguer. Constituída a Fundação, em 1962, Hossne foi convidado para ser assessor na área das Ciências Biomédicas e, dois anos depois, foi indicado em lista tríplice para o cargo de diretor científico, sucedendo Warwick Kerr. Voltaria a ocupar o cargo entre 1975 e 1976.

A sua primeira gestão foi marcada por uma iniciativa ousada: reivindicou os recursos, então equivalentes a 0,5% da arrecadação do Estado, correspondentes a exercícios anteriores a 1962, considerando que a instalação da FAPESP já estava prevista na Constituição de 1947. “Não foi possível chegar até o exercício de 1947, mas foi possível recuar, não sei a data exata, mas seguramente até o exercício de 1955/1956. Foram US$ 56 milhões que Carvalho Pinto [governador de São Paulo] repassou à Fundação, parte como terreno situado à avenida São Luiz, e o resto em dinheiro. Com esses recursos adicionais, formou-se o primeiro patrimônio rentável da FAPESP”, afirmou Hossne no livro FAPESP 40 anos: abrindo fronteiras.

Esse patrimônio, que Hossne, inicialmente, não via “com muita simpatia”, foi crucial para manter a continuidade de apoio à pesquisa num dos exercícios fiscais do período 1964/1967, quando os recursos da Fundação só foram repassados no final do ano. “Esse patrimônio representou uma certa segurança para a FAPESP, independentemente da dotação que recebia.”

Permitiu também que a FAPESP ampliasse sua linha de atuação, montando, em 1967, o Laboratório de Pesquisa Química de Produtos Naturais e o Centro de Documentação Histórica, na Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, ou apoiando a Expedição Permanente da Amazônia.

Em sua segunda gestão, buscou aumentar a dotação orçamentária da FAPESP. Ele reconhecia que a arrecadação de 0,5% era “suficiente” para atender os projetos de pesquisa que a Fundação recebia, mas não permitia ampliar “o leque de iniciativas”. Além disso, o percentual de 0,5% era calculado com base na arrecadação de dois anos anteriores. A mudança na regra desse cálculo só viria em 1985, com a Emenda Leça, que determinou que os recursos destinados à Fundação passassem a ser calculados com base no ano anterior e repassados em duodécimos, ou seja, mês a mês.

Noutra frente, Hossne fez gestões junto ao governador do Estado, Paulo Egydio Martins, e o secretário de Planejamento, Jorge Wilheim, negociando aumento no percentual de recursos destinados à FAPESP. “O repasse de recurso naquele ano de 1976/1977 acabou sendo não 0,5% sobre os dois anos passados, mas, mais ou menos, sobre a projeção. E com isso, naqueles anos, a FAPESP recebeu quase 0,7%”, contou Hossne no livro organizado por Hamburguer. O aumento no repasse, de 0,5% para 1% da receita tributária estadual, só ocorreria em 1989, com a nova Constituição do Estado de São Paulo.

Hossne foi reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) de 1979 a 1983, fundou a Sociedade Brasileira de Bioética, da qual foi o primeiro presidente (1995 a 1998), e ajudou a criar em 1995 a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que coordenou de 1996 a 2007. Em 2004 ele organizou o curso de pós-graduação de bioética do Centro Universitário São Camilo.

Autor de vários livros sobre bioética, Hossne recebeu vários prêmios da Associação Médica da Municipalidade de São Paulo (1961, 1962, 1963 e 1965) e da Academia Nacional de Medicina (1971, 1972 e 1973) e também o título de Professor Honoris Causa da Universidade de Brasília (2002), Universidade Federal de São Carlos (2005) e do Centro Universitário São Camilo (2005).

Hossne faleceu em 13 de maio de 2016, aos 89 anos, em Botucatu, onde vivia.

Fontes:

HAMBURGER, Amélia Império (Org.) FAPESP 40 anos: abrindo fronteiras. São Paulo: EDUSP, 2004. 549 p.

William Saad Hossne: o guardião da bioética, revista Pesquisa FAPESP, edição 210, agosto de 2013.