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Warwick Kerr, um dos pioneiros da pesquisa genética no Brasil


Foto: Acervo SBPC

Primeiro diretor científico da FAPESP, era reconhecido internacionalmente por suas pesquisas com abelhas do gênero Melipona
 

Warwick Kerr foi o primeiro diretor científico da FAPESP (1962-1964). Engenheiro agrônomo e geneticista, ele ocupava a cátedra de biologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em Rio Claro – hoje Universidade Estadual Paulista (Unesp) –, quando foi escolhido para o cargo pelo governador Carlos Alberto Carvalho Pinto em lista tríplice elaborada pelo Conselho Superior da Fundação em 1961.

Para assumir a diretoria científica – e a pedido do governador –, Kerr teve que se demitir do Partido Socialista Brasileiro pelo qual já havia sido eleito vereador em Piracicaba. “Ele não queria politizar o cargo”, justificou Kerr em depoimento gravado entre 1992 e 1997 e publicado no livro organizado por Amélia Império Hamburger, FAPESP 40 anos – Memória e História. “Mas continuei bom socialista”, sublinhou.

Kerr já era reconhecido internacionalmente por suas pesquisas com híbridos de espécies europeias e africanas de abelhas e por suas pesquisas sobre a determinação de castas em abelhas do gênero Melipona, sem ferrão. A genética das abelhas tinha sido tema do seu doutorado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba, sob orientação de Friedrich Brieger, e dos estudos de pós-doutorado, nas universidades de Columbia – a convite de Theodosius Dobzhansky, um dos pioneiros da biologia evolutiva moderna – e da Califórnia.

Quando tomou posse, em 4 de junho de 1961, já aguardavam seu parecer mais de 500 solicitações de Auxílio submetidas por pesquisadores de todo o Estado, que, juntas, somavam valores correspondentes ao triplo da disponibilidade de recursos prevista para o período. No trabalho de análise das propostas, foi assessorado por Alípio Correia Neto, Saad Hosne, Simão Mathias, Oscar Sala, Octávio Ianni, Brito da Cunha, entre outros.

“Antes de olhar aquela massa de pedidos, fizemos uma reunião com vários especialistas para discutir o que seria melhor para o Estado de São Paulo, quantos por cento deveriam ser dados para cada área de pesquisa”, contou Kerr no livro organizado por Hamburger. “De início, resolveu-se dar 50% da verba para a parte aplicada, como engenharia, medicina e agronomia, e 50% para partes não aplicadas – física, química, biologia –, dos quais 10% para ciências humanas e sociais, para biológicas uns 12%.” Foi possível atender 68% dos projetos solicitados, escreveu Mônica Teixeira, no livro Circa 1962 – A Ciência Paulista nos Primórdios da FAPESP.

Concluída a avaliação da primeira leva de solicitações de Auxílio, Kerr viajou para os Estados Unidos – Nova York e Washington –, Canadá, Inglaterra, Noruega, Suécia, França e Itália para conhecer os sistemas de apoio à ciência e tecnologia. O modelo norueguês, por exemplo, “deu mais subsídios” para a FAPESP estabelecer a limitação de 5% para os gastos administrativos. “Tentamos aplicar dentro da FAPESP as melhores propostas. Uma delas é a de que o diretor científico pode ser criticado e substituído, mas deve ter a faculdade de efetuar pagamentos o mais rápido possível. Quando há verbas não se justifica demora em auxiliar a produção de ciência de boa qualidade”, disse Kerr.

Por sugestão do próprio governador Carvalho Pinto – apresentada ao diretor científico por Paulo Vanzolini –, Kerr teve o aval do Conselho Superior da FAPESP para aplicar 15% da verba de orçamento em títulos de governo. “É muito importante que se tenha patrimônio próprio que possa ser gasto de maneira a evitar o problema da falta de continuidade, dramático em pesquisa”, justificou.

Ao longo de sua gestão, ampliou a oferta de bolsas para pesquisa. “Aumentamos o número de bolsas, estudando com cuidado os currículos dos orientadores – uma boa contribuição do Vanzolini – e verificamos que eram muito importantes as bolsas de aperfeiçoamento, mestrado e doutoramento para uma melhoria da qualidade de pesquisa.”

Primeiro diretor científico da primeira fundação de amparo à pesquisa constituída no país, Kerr teve um papel importante também na implantação das FAPs em outros Estados do país. Fez palestras aos deputados das assembleias legislativas de Minas Gerais e do Amazonas, conversou com os governadores da Bahia e de Pernambuco e discursou no Maranhão. “As FAPs do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro também tiveram seus estatutos, em boa parte, baseados no da FAPESP.”

Kerr deixou a diretoria científica da FAPESP em dezembro de 1964, um mês antes do término do mandato, para implantar o Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, a primeira faculdade de medicina do país a ter um departamento de genética, e da qual, a partir de 1971, tornou-se professor titular. Também liderou a implantação do curso de pós-graduação em genética, tanto na Faculdade de Medicina como na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP em Ribeirão Preto.

Entre 1969 e 1973, período marcado por crises entre o governo militar e a comunidade científica, Kerr presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Sua gestão foi orientada por uma posição clara de repúdio às arbitrariedades praticadas pela ditadura. “Fui preso duas vezes [1964 e 1969]”, ele contou a Marco Antonio Coelho, em entrevista publicada na Revista Estudos Avançados, do Instituto de Estudos Avançados da USP, em abril de 2005.

Também por duas vezes foi diretor do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) – entre 1975 e 1979 e 1999 e 2001–, onde implantou o Grupo de Pesquisa em Abelhas e impulsionou pesquisas sobre a biodiversidade. “Quando cheguei lá [1975], havia 20 pesquisadores em Belém e 26 em Manaus, entre os quais apenas dois doutores e dois mestres. Quando saí [1979], o Inpa tinha 266 pesquisadores, entre eles uns 50 mestres e uns 60 doutores”, lembrou Kerr em entrevista a Regis Farr, em outubro de 1982, publicada no site Entomologistas Brasileiros.

Em 1987, já aposentado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, assumiu a reitoria da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) até mudar-se para a Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, para implantar o curso de pós-graduação em genética e bioquímica.

Kerr considerava a sua contribuição à formação de pessoal como um de seus maiores legados à ciência brasileira. “Minha intenção sempre foi esta: a de formar grupos fortes de pesquisa, com bons princípios, grande capacidade de trabalho e atuando dentro da filosofia de que a ciência deva ser produzida para o benefício da população”, afirmou em entrevista a Regis Farr, publicada em outubro de 1982.

Kerr morreu em setembro de 2018, aos 96 anos. Foi membro da Academia Brasileira de Ciências e o primeiro brasileiro a ingressar como Membro Estrangeiro na Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

Fontes:

HAMBURGER, Amélia Império (Org.) FAPESP 40 Anos: Abrindo Fronteiras. São Paulo: EDUSP, 2004. 549 p.

Teixeira, Mônica, Circa 1962 – A Ciência Paulista nos Primórdios da FAPESP, São Paulo: FAPESP, 2015. 240 p.

Warwick Kerr: a Amazônia, os índios e as abelhas, Revista Estudos Avançados, v. 19, n 53, abril de 2005.

Entrevista a Regis Farr em outubro de 1982, publicada no site Entomologistas Brasileiros.